sexta-feira, 29 de agosto de 2014

TRADIÇÃO vs CONTRACULTURA

Vez por outra lemos algum artigo ou crônica que realmente nos entusiasmam. Isto ocorreu recentemente comigo, ao me deparar com um texto escrito pelo advogado dr. Fábio Blanco em seu blog (www.fabioblanco.com.br), intitulado ‘A Retomada da Tradição e a Desilusão da Rebeldia’ (que pode ser lido na íntegra aqui http://www.fabioblanco.com.br/a-retomada-da-tradicao-e-a-desilusao-da-rebeldia/). No referido texto, dr. Blanco comenta suas impressões ao ler outra crônica, assinada pelo jornalista e biógrafo Ruy Castro para o jornal Folha de São Paulo (íntegra aqui http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/178975-em-vao.shtml). Neste artigo, Castro lamenta o reaparecimento de atitudes tradicionalistas entre os jovens, como por exemplo o esforço para se manter virgem antes do casamento e a festa de debutantes das meninas de 15 anos de idade. O autor lamenta que as lutas da ‘geração 68’ estejam perdendo força, sendo contestadas por um crescente número de pessoas, especialmente os jovens. Analisando essa crônica, dr. Blanco indaga:

(...) essa percepção de Ruy Castro deveria servir para colocar diante dele e os de sua geração, no mínimo um questionamento: será que a rebeldia dos anos 60 não foi um exagero, uma explosão antinatural que, mais cedo ou mais tarde, perderia seu vigor? E outra pergunta, inafastável, deveria também ser feita: será que a geração atual, nascida já sob os efeitos das ruas de 68, não percebeu que o legado daquela rebeldia foi apenas desilusão, decepção, e ausência de sentido? Na verdade, quando olha para a frente, para os sonhos prometidos por aqueles rebeldes, a juventude atual não consegue ter esperança. Ela percebe que a destruição pelas drogas, as mães solteiras, os pais irresponsáveis, os relacionamentos fugazes, a religiosidade desespiritualizada e a destruição familiar foram a principal herança deixada pelos movimentos que seus pais participaram.

                Quem leu a biografia dedicada à cantora e atriz Carmem Miranda escrita por Ruy Castro (que o autor transformou num imenso livro de fofocas), não se surpreende com o teor de sua crônica na Folha de São Paulo lamentando o arrefecimento popular da contracultura (ainda longe de ser demolida, mas cada vez mais encontrando oposição). No livro biográfico que é chamado Carmem, por diversas vezes Castro se mostra inconformado com o fato de que a grande atriz luso-brasileira (muito mais brasileira do que lusa), vivendo um infeliz casamento com um sujeito que não lhe concedia o divórcio, recusava-se a se casar novamente ou mesmo conviver com outra pessoa – pois Carmem Miranda fora criada num lar católico, e as tradições católicas a levaram a tomar aquela decisão. Isso, para Ruy Castro, era inconcebível – bem, afinal de contas não devemos exigir muito do jornalista, incapaz de entender uma decisão moral como a de Carmem Miranda, afinal, como poderia se o ápice de sua espiritualidade é representada por copos de cerveja num bar do Leblon? (preciso ser justo, e lembrar que nas biografias posteriores, de Nélson Rodrigues e Mané Garrincha, Castro saiu-se muito melhor).
                Já o dr. Blanco compreende a estupefação de Ruy Castro com o reaparecimento dos ideais tradicionalistas:

                (...) homens como Ruy Castro nunca entenderão isso, pois, para eles, aquelas coisas antigas jamais tiveram valor algum. Eles, insensibilizados por uma ideologia revolucionária, que tem em seu espírito muito mais a destruição do que qualquer outra coisa, chegaram a conclusão de que as formas tradicionais podiam ser dispensadas como se lançaram fora as anáguas. Acreditaram que valores seculares podiam ser substituídos como se substituem as modas. O que resta para eles, portanto, é espernear, reclamar e chorar o desfazimento de suas utopias. Repensar suas ideologias, porém, jamais serão capazes de fazer. Tudo porque eles não conseguem enxergar as tradições como algo além de ultrapassado. São tão insensíveis, tão cegos, tão desvirtuados que valores milenares, em suas perspectivas distorcidas, não valem mais do que um sutiã velho [ou um copo de cerveja num bar do Leblon, acrescento]

                Não quero aqui discursar sobre a virgindade, só lembrando a diferenciação que Santo Agostinho fez daqueles que a vivem sinceramente, pelo reino dos Céus, daqueles que a vivem por auto-suplício egoísta. Minha intenção aqui é semelhante àquela do dr. Blanco, a de exaltar o reaparecimento de pessoas que lutam a favor de valores tradicionalistas, contra as pestilências da contracultura. E, como não poderia deixar de ser, acabei refletindo sobre esse tema no universo das Histórias-em-Quadrinhos, que é meu campo de atuação e assunto que mais interessa aos leitores desse blog.
                Creio que poucos veículos de comunicação foram tão afetados pela ideologia da contracultura quanto as Histórias-em-Quadrinhos. Tudo começou, é claro, nos anos 60 do século XX, com Robert Crumb e seus underground comics, além das perversões escancaradas nos trabalhos dos quadrinhistas europeus. Como negar a influência desses trastes nas gerações de artistas que os sucederam? Foi tamanha que, a partir dos anos 80, até os quadrinhos de super-heróis americanos foram contaminados por isso. A primeira consequência óbvia, foi a diminuição do número de leitores de Quadrinhos. Se no passado uma edição do Fantasma de Lee Falk chegava a ter tiragem de 200 mil exemplares, hoje quando uma publicação consegue vender 10 mil exemplares, ouve-se rojões espoucando nas redações. Não por acaso, os gibis mais vendidos por aqui (exceto os da Turma da Mônica) sejam os tradicionalíssimos Tex e Zagor. Outra consequência foi a disseminação daqueles valores perversos entre a elite cultural e artística dos países, coisa que se reflete com força no Brasil em programas televisivos tais como mtv, pânico na tv, cqc, lendários, porta dos fundos e outras asneiras. Se antes os humoristas eram influenciados por Charles Chaplin, Gordo & Magro, Irmãos Marx, hoje temos a geração pós-68 totalmente influenciada por Robert Crumb e seus seguidores, como Angeli – a obra deste autor merece até uma crônica específica, comentando a devastadora influência que teve e ainda tem não só na cultura, mas igualmente na política brasileira. Basta olharmos dois movimentos que são a representação fidedigna de seus personagens: os black blocs e a destruição desenfreada que promovem, seriam os filhos do Bob Cuspe, o roqueiro punk que é o símbolo da intolerância, cuspindo em qualquer um que discorde de seu ponto de vista; já as autodenominadas mulheres vadias, estas seriam as filhas da Rê Bordosa, promíscuas, drogadas, abortistas. Mas deixemos de lado as desoladoras influências da obra de Angeli, e sigamos.
A principal indagação que formulei após a leitura do artigo do dr. Blanco, foi a seguinte: será possível que a ‘contra-contracultura’ poderá chegar aos Quadrinhos? Ou seja, será que um dia os quadrinhistas vão se tocar e voltar a tratar de temas mais edificantes em seus trabalhos, ou vão continuar criando a partir de influências como a de Angeli, Alan Moore, Laerte, Neil Gaiman e quejandos? No atual mercado brasileiro dos Quadrinhos, só vejo dois exemplos destoantes: o de Lacarmélio ‘Celton’, e o da Júpiter II – mas não podemos sequer ser inseridos no tal mercado, pois nossos gibis sequer chegam nas bancas, vendidos somente no corpo-a-corpo ou nos meios virtuais. E continuamos sendo quase que totalmente desprezados pela imprensa brasileira – Celton já teve generoso espaço nos jornais mineiros e alguns programas de televisão, mas a Júpiter II, mesmo já há dez anos publicando gibis de autores brasileiros – incluindo de alguns grandes mestres dos nossos Quadrinhos – nunca teve uma linha sequer nos jornalões brasileiros, e basta algum autor estrangeiro publicar uma HQ sobre prostitutas que ganha destaque nos cadernos de arte. Além de não termos espaço algum na grande mídia, ainda somos incessantemente atacados, ofendidos e desrespeitados por um razoável número de blogueiros.
Reconheço que a venda de revistas ou livros de Histórias-em-Quadrinhos, com algumas raras exceções, já não empolga mais ninguém. Com a Júpiter II o quadro é ainda mais desolador, pois só existe graças a posição social privilegiada de seu editor, um pequeno burguês abastadinho que consegue manter as publicações e assim sobreviver trabalhando exclusivamente com elas, a despeito da concorrência capitalista – mas, é claro, não esperem que isso dure por muito mais tempo (já posso prever a festa dos blogueiros caluniadores). Deste modo, creio que a luta contra as imundícies da contracultura ainda deve levar algum tempo – muito tempo – para que ela seja varrida não só dos gibis, mas da História da humanidade.

                Ah, e por favor, não pensem que escrevo esta crônica por ser algum anjo puro e imaculado, longe disso: sou também um filho do pós-68, filho bastardo de Herbert Marcuse e Antonio Gramsci. Influenciado que fui por toda essa josta, por anos chafurdei nas mais lamentáveis ignomínias, exaltando o hedonismo, as perversões sexuais, as músicas agressivas e misantropas, o consumo de drogas (já devo ter fumado uma tonelada de maconha, além de ter experimentado tantos outros entorpecentes, como qualquer maconheiro), pensando realmente que participando de baladas roqueiras e da promiscuidade sexual eu assim estaria “aproveitando a vida”, quando na verdade eu a destruía, paulatinamente. E, para minha desgraça diante do Reino Celeste, produzi livros, fanzines e filmes divulgando todo aquele excremento moral. Quero dizer, sou imundo como é a maior parte da humanidade. Mas o tempo e a experiência me mostraram outro caminho, que procuro trilhar, mesmo com minhas degradantes limitações. Hoje, sou um desertor das imundícies. Entre a contracultura e a tradição, esta última pode contar com todos os meus esforços, no combate àquela outra. (JS)

BIG RANGER JIM MORGAN É O DESTAQUE NA 21a. EDIÇÃO DE BILLY THE KID & OUTRAS HISTÓRIAS

O Big Ranger Jim Morgan, criação do gaúcho Aílton Elias (autor da Brigada das Selvas, com duas edições já lançadas pela Júpiter II), é a grande atração do 21º. número da revista Billy The Kid & Outras Histórias, dominando 28 das 38 páginas da publicação. Como Elias é autor old school, das antigas, seu personagem de faroeste é um xerifão sem frescuras, que entra em cena pra acabar com a bandidagem sem economizar tiros e socos, e ainda tem um cavalo que é mais do que um animal de estimação, mas um parceiro – que tem nome, como tinham nomes todos os cavalos dos heróis do faroeste em Quadrinhos no passado. O de Morgan chama-se Ciclone. Na aventura desta edição, intitulada ‘Os Máscaras Negras’, o Big Ranger enfrenta uma quadrilha de facínoras cujos membros, encapuzados, espalham o terror pelas pradarias, assaltando diligências. A outra HQ presente nesta edição é com o personagem-título Billy The Kid, no traço do editor Arthur Filho, sempre melhorando sua arte num vistoso claro-escuro. O próprio Arthur apresenta textos, no editorial e na crônica final, e ainda temos a sessão de cartas, um ótimo bate-papo com os leitores. Puxa, quase ia me esquecendo de mencionar a explosiva capa colorida produzida pelo paraense Elthz. A revista já está na 21ª. edição, gente, quem não conhece não perca mais tempo e entre em contato com o editor no email arthur.goju@bol.com.br (JS)