CAMINHOS DA HQ
Analisando o mercado editorial das Histórias-em-Quadrinhos, percebo que há caminhos diversos a seguir. Fenômeno que já ocorre há pelo menos duas décadas, enia dos horrendos personagens Marvel/DC da atualidade, emanal... com a crescente elitização dos Quadrinhos e a predominância dos horrendos personagens Marvel/DC da atualidade, são os tais estúdios agenciadores, que arregimentam artistas para suprir exatamente o mercado dominado pelas “majors” estadunidenses. Não por acaso, talentosos artistas brasileiros já trabalharam e ainda trabalham para essas editoras, além de outras no estilo, como a Image e etc. Esses estúdios visando o mercado estrangeiro, acabaram criando um novo tipo de artista dos Quadrinhos: aquele que não gosta de Quadrinhos, que nunca leu Quadrinhos (nem mesmo Disney ou Turma da Mônica), mas que quer trabalhar com Quadrinhos para... enriquecer. É com esta visão materialista que esses tipos procuram entrar no mercado dos comics. Alguns que me lêem já devem ter tomado contato com algum aluno de um desses estúdios. O jovem com o qual conversei, que me procurou depois de ouvir falar que eu editava gibis, não conhecia absolutamente nada de Quadrinhos além do que viu na Marvel e DC recentemente; tudo que comentava era sobre os automóveis e as casas que os bem-sucedidos artistas brasileiros já haviam conseguido nos EUA. Nunca nem ouvira falar de Fantasma, Mandrake, Flash Gordon, Príncipe Valente – muito menos de Raio Negro, Mirza, Anjo, Vigilante Rodoviário, Milton Ribeiro, O Gaúcho, Mylar, Velta. Dos artistas brasileiros dos Quadrinhos, só conhecia os que estivessem desenhando ómiaranha ou bátima. Mostrei a eles alguns gibis da Júpiter II, e quase soltou um bocejo. “Mas não são nem coloridos?”, perguntou. A decepção maior, foi quando percebeu que eu não ganhava um tostão com os gibis da Júpiter II, que estes só conseguiam ser editados graças a algumas regalias pequeno-burguesas de minha família. Para não ser mal-educado, disse a ele que, se tivesse interesse em desenhar para a Júpiter II, que me procurasse na segunda-feira. Evidente que não me procurou, eu tampouco me interessei em procurá-lo novamente. Claro que eu tenho intenção de progredir financeiramente com a Júpiter II, não pra ficar rico e gastar dinheiro à toa, mas como uma tentativa de construir, ou reconstruir, uma indústria de gibis, onde muitos artistas possam trabalhar exclusivamente com os Quadrinhos, aqui no Brasil. Quanto ao jovem que me procurou, queria mais é desenhar o superómi e morar em Malibu.
Não me levem a mal: ficarei feliz se esse jovem conseguir desenhar o superómi e morar em Malibu. Não vou me interessar em ver o trabalho dele, pois há muito não agüento mais nem olhar para esses personagens Marvel /DC, mas mesmo assim ficarei feliz por ele. E admiro, sinceramente, o talento e o esforço de todos os artistas brasileiros que conseguiram alcançar sucesso, desenhando comics para o exterior. Li várias entrevistas com vários deles, conheço alguns, sei do tremendo esforço e dedicação que isso acarreta. Se conseguem viver de sua arte, é porque mereceram. O que gostaria de deixar bem claro, é que eu, José Salles, tenho outras intenções no mercado editorial das HQs. Minha intenção é investir, enquanto Deus me prover com forças e recursos, em artistas e personagens brasileiros dos Quadrinhos. Até agora já foram mais de 60 gibis, com variados autores e personagens, para que sejam lidos, consumidos e admirados aqui mesmo. Portanto, muito ao contrário dos tais estúdios agenciadores, minha intenção, minha proposta dentro do mercado editorial brasileiro, é divulgar, com o máximo de minhas forças, o trabalho de artistas do Brasil bem como personagens criados por eles e que, com toda certeza, na medida em que forem se tornando mais e mais conhecidos, vão agradar ao público brasileiro de forma muito mais intensa do que os cansativos personagens estadunidenses ou japoneses.
E, para alcançar esse estágio, insisto, temos que distribuir maciçamente nossos gibis. Seria ótimo algum milionário que se interessasse em bancar uma generosa distribuição nacional, mas, enquanto ele não aparece, vamos adiantando o serviço. Vamos nós mesmos, colaboradores da Júpiter II, distribuir nossos gibis por onde conseguirmos. Sei de alguns que conseguem vender boa parte das tiragens, outros não conseguem vender quase nada, então, especialmente quanto a estes, que as distribuam, de graça! Com sabedoria é claro, mas de graça! Procurando principalmente a formação de novos leitores. Quem tiver gibis de censura livre (a grande maioria do que é publicado pela Júpiter II) que procure dar de presente para a garotada da vizinhança, ou para orfanatos, ou em eventos artísticos diversos, especialmente os musicais. “Mas assim estarei perdendo dinheiro!”, alguém pode dizer. Deixe de ser avarento, sô! Primeiro, quem banca as tiragens sou eu, vocês colaboradores que recebem a tiragem, a recebem merecidamente, em troca do trabalho que tiveram em fazer os gibis! Os colaboradores não estarão perdendo um tostão se derem os gibis de graça, pelo contrário estarão divulgando o trabalho de vocês, e com isso, aumentando a curiosidade a respeito deles. Com o tempo, as vendas vão aumentar, igualmente. Mais vale 50 gibis distribuídos gratuitamente para jovens leitores, do que 50 gibis empoeirados no armário, tomando espaço em nossa casa! Lembrem-se do exemplo da King Features, que, para conquistar o mercado brasileiro, permitiu que suas tiras em Quadrinhos fossem distribuídas gratuitamente, durante um ano inteiro, em trocentos jornais brasileiros! Se a toda-poderosa King Features agiu assim, que chance teremos nós se não fizermos algo parecido?
Uma ação neste sentido, ao que me parece, é essencial para que nossos gibis e nossos personagens consigam alcançar a simpatia do público brasileiro. Duro é saber que poucos são os colaboradores da Júpiter II que agem assim – pior, são poucos os que sequer lêem as coisas que escrevo aqui. Desse jeito, os mandões daqueles estúdios agenciadores, que desprezam os personagens brasileiros dos Quadrinhos, que desprezam os fanzineiros, vão continuar rindo à toa, desenhando úqui e xis-méin, ad nauseum... ei, mas não fiquem muito preocupados a respeito do que pensam de nós os agenciadores de artistas que não lêem gibis e querem publicar na Marvel... no fundo, no fundo, é um pouquinho de receio de que a Júpiter II e outros grupos independentes dos Quadrinhos brasileiros, continuem evoluindo e progredindo, na medida em que os personagens Marvel/DC vem perdendo leitores mês após mês - se as coisas continuarem assim, em alguns anos os personagens brasileiros de papel irão finalmente superar os enjoativos fantasiados norte-americanos, de modo que os artistas nacionais tenham condições de ganhar a vida por aqui mesmo. E os tais estúdios agenciadores de artistas que nunca leram gibis, bem... quem sabe possam tornar-se agências de turismo, vendendo passagens para Malibu. (JS)